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sábado, 10 de julho de 2021

BIBLIOTECA MUNICIPAL DE CASCAIS - "Flashback"


 

"FLASHBACK" 

Biblioteca Municipal de Cascais
10 de Julho a 19 de Agosto
43 câmaras e 30 fotografias da colecção










fotografia de Celeste Ribeiro

fotografia de Celeste Ribeiro


Folha de Sala - CONFISSÕES DE UM COLECCIONADOR

A colecção de câmaras fotográficas antigas é uma espécie de lar da terceira idade, uma Babel de olhares desmemoriados.
As máquinas foram chegando dos quatro cantos do mundo, com seus achaques, deixando para trás, sabe-se lá onde, as suas memórias de celulóide.
Umas têm as lentes toldadas pelas cataratas do vidro, outras disparam devagar na dolorosa artrite dos seus obturadores e outras ainda sofrem da incontinência luminosa causada pelos orifícios nos foles.

Mas todos aqueles olhos que tanto viram ao longo do século XX, nos mais desvairados locais e situações, parecem agora pasmados pelo vazio dos seus interiores negros de onde os homens, invejosos e cansados das imagens fátuas do cérebro, arrancaram as películas em que o tempo se suspendera.
Este Alzheimer fotográfico do já visto só pode ser revertido fotografando outra vez.

A cada nova velha máquina que desperto do seu sono, qual bela adormecida, sinto-me um príncipe encantado.
Excita-me imaginar o que elas sentem quando abrem os seus olhos há tanto tempo cerrados. Quase tudo o que eu lhes possa mostrar, quando as disparo, deve ser para elas uma espantosa novidade.
Umas, posso imaginá-las na Chicago elegante dos anos vinte e tento perceber o seu choque quando abrem a lente para a arquitectura vanguardista da Expo.
Outras, podem muito bem ter servido para um fazendeiro boer fotografar as suas orgulhosas plantações, ou para um nababo do Pundjab eternizar o palácio e os seus adornos femininos; mas agora piscam o seu obturador em remotas aldeias transmontanas.
Elas viajaram no tempo e no espaço para, nos meus braços, sair da sua prolongada letargia.

É ao fotógrafo que cabe levar as máquinas a olhar e registar de novo, num reviver de mecanismos e gestos. Reter as suas memórias num enrolar de filme e depois pô-las frente a frente com as suas próprias obras.
Ao fazer isso, o fotógrafo reinventa a sua própria biografia. Repetindo os modos que há muito esquecera ou descobrindo os gestos que nunca tinha feito.

O visor à altura do olho ou da cintura, o avanço da película com alavanca ou com rotação da lente, a focagem por estimativa ou por sobreposição, a medição da luz pelo selénio ou pelo cádmio, o empunhar da câmara com dois dedos ou com as duas mãos, o disparo espontâneo ou encenado, um olho que pisca ou então um olho que arregala, são determinantes do que se pode fotografar e de como se fotografa.

Os desenvolvimentos tecnológicos e ergonómicos que percorreram o século XX não constituem apenas uma parada de tentativas e de abandonos, de sucessos e de fracassos; cada nova realização da técnica e do design transformou o gesto de fotografar de forma irremediável.
Ao reconstituir essa caminhada desvendamos as razões que tornaram incontornável o acto de fotografar.

Fernando Penim Redondo


sexta-feira, 16 de agosto de 2019

BIBLIOTECA MUNICIPAL DE CASCAIS - "Em vez de balas"



"Em vez de balas"  
Biblioteca Municipal de Cascais
S. Domingos de Rana 
16 Agosto a 7 Setembro 2019
17 fotografias da Guiné recolhidas em 1968/69














Em vez de balas

No dia 1 de Maio de 1968, o Tenente largou do Tejo, rumo à Guiné, a bordo da fragata Corte Real. Era então um jovem fuzileiro, de 22 anos, recém casado, que interrompera os estudos de Economia na Universidade de Lisboa.
Em Bissau integrou a 6ª Companhia, aquartelada no INAB, junto ao Geba. A missão consistia essencialmente na escolta de combóios de embarcações que abasteciam os quartéis do Exército no interior do território.
Subiu e desceu os principais rios da Guiné comandando as missões a partir das lanchas da Armada. Navegou no Cacheu até Farim, no Mansoa, no Geba e no Rio Grande de Buba. Ligou por mar a foz desses grandes rios e também foi a Catió, a Bolama e aos Bijagós.
A guerra era uma realidade penosa para quem como ele, jovem militante comunista, se opunha ao domínio colonial e defendia a independência das colónias. Partilhou esse drama pessoal com a sua mulher, que trabalhou como professora de História no então Liceu Honório Barreto.
A fotografia constituiu um paliativo. Ao fotografar a dignidade do povo guineense, a beleza das suas mulheres, o porte dos seus homens e o encanto das suas crianças, ele tinha a impressão de estar a fazer um gesto de amizade no contexto da guerra. Tal como muitos outros jovens da sua geração aprendeu, "no terreno", a grande lição da relatividade da nossa própria cultura.
O Tenente voltou a Bissau em 2018, cinquenta anos depois, para mostrar as fotografias feitas nos anos da guerra. Desembarcou do avião com uma mala de viagem repleta de ampliações. Felupes com os seu cachimbos, balantas em trajes de fanado, mandingas com as suas longas vestes.  Rostos, corpos e gestos impressos a preto e branco. O Tenente convivera com eles durante cinquenta anos, em Lisboa, através daquelas fotografias. Esse convívio fotográfico mantivera uma forte ligação afectiva à Guiné que, apesar disso, durante todo esse tempo, não voltara a visitar.

Quase não fotografou a guerra e os aparatos militares.
Dedicava-se a registar as gentes da tabanca, dos campos do arroz, os pescadores, e a garotada negra.
No contexto da guerra estas eram coisas preciosas, que corriam perigo, mas que um disparo da câmara fotográfica dava a ilusão de resgatar para sempre.
Quem lhe haveria de dizer que, 50 anos depois, regressaria a Bissau com dezenas dessas fotografias para pendurar na parede e mostrar a quem as quizesse ver. Não o feito artístico, que diziam que também lá estava, mas o milagre daquele gesto de resgate que se substituíra ao tiroteio. Fotografias em vez de balas.

No dia da inauguração, no Centro Cultural Português, em Bissau, apareceu muita gente para ver as fotografias. Quase todos jovens estudantes, provavelmente na idade que o Tenente tinha quando chegara a Bissau para lutar na guerra.

Eram alegres e ruidosos, desinibidos, interpelavam o Tenente sobre isto e aquilo. Houve um que até lhe perguntou se ainda era comunista, como constava da folha de sala.
O Tenente deliciou-se com aquelas conversas, sem se deixar perturbar por saber que nunca lhes conseguiria transmitir a complexidade dos seus próprios sentimentos.

A fotografia, para o Tenente, ficaria definitivamente marcada por aquele momento inicial na Guiné. A fotografia como forma de viver, ou de sobreviver. Afirmação íntima contra a inevitabilidade do tempo e contra as inevitabilidades de cada tempo.
A fotografia não mais o abandonou. E aos setenta anos, como aos vinte, continua a desempenhar o seu papel de argamassa interior, lingando os tijolos da memória.

(Extractos do livro "Crónicas de um Tenente, Guiné-Bissau 1968-2018")

quinta-feira, 3 de maio de 2007

BIBLIOTECA MUNICIPAL DE CASCAIS - "na CHIna"





"na CHIna" - B. M. Cascais
São Domingues de Rana 
3 a 26 de Maio 2007
30 fotografias da China recolhidas em Abril 2006














Da "folha de sala"

Alguém disse que os 1.300 milhões de chineses são, neste momento, o mais importante recurso natural do planeta e que o século XXI será, em grande medida, condicionado pela forma como tal recurso for usado.
Fugindo ao mecanicismo de tal opinião prefiro dizer que o futuro da sociedade humana será decisivamente influenciado por aquilo em que se tornarem os incontáveis chineses e pelo caminho que tomar a imensa China .  
Uma viagem pela China não pode fazer muito mais do que proporcionar um série de “impressões”, que valem por ocorrerem no local mas que acabam por reflectir a perplexidade do viajante. 
A realidade física ultrapassa as expectativas mesmo quando se parte com alguma bagagem de leituras sobre o país, a magnitude das transformações em curso sente-se “na pele”. 
O gigantismo institucional de Pequim, que numa só avenida tem vários hotéis do tamanho do Ritz de Lisboa,  rivaliza com o modernismo caótico de Xangai, cujo ritmo de crescimento pode ser simbolizado pelo combóio-bala que nos transporta ao aeroporto, a 400 km à hora, sobre tecnologia “magnética”.  
No Sul, onde se situam as “zonas económicas especiais” de Macau e Hong-Kong, a China dispõe de vários aeroportos internacionais num raio de 150 km em torno da cidade de Guangzhou (Cantão).
As bicicletas são aos milhões, símbolo da vida frugal e laboriosa dos chineses. Em contrapartida também já se vêm muitos chineses de máquina fotográfica em punho num sinal claro de que começam a poder disfrutar (e registar) momentos de lazer. Bicicletas e câmaras fotográficas são assim sinais da coexistência das tradições e das transformações ao nível das vidas comuns.
Visitei a China em Abril de 2006 e, apesar da magnitude das realizações económicas e tecnológicas, o que mais me tocou foi a persistência da velha cultura e força dos hábitos ancestrais. Até quando ?
Depois de ver a China é impossível voltar a ver a Europa como os mesmos olhos.